A previsibilidade é um dos pilares do bem-estar infantil, especialmente para crianças que dependem de rotinas estruturadas para se sentir seguras. No entanto, o mundo real é cheio de imprevistos, como mudanças de planos, visitas inesperadas, atrasos e alterações no que se espera do dia. Ensinar a criança a lidar com essas situações é uma habilidade valiosa, pois amplia sua flexibilidade comportamental e emocional. Esse processo deve ser gradual, planejado e respeitar o ritmo individual de cada criança.
A seguir estão os passos sugeridos para trabalhar a tolerância a surpresas, lembrando que o avanço só deve ocorrer quando o passo anterior estiver bem consolidado.
Passo 1. Ensinar a seguir uma rotina visual adequadamente
Antes de lidar com mudanças, a criança precisa compreender o que é previsível. Para isso, é fundamental que ela saiba usar e confiar em uma rotina visual. A rotina pode ser apresentada por meio de figuras que representem cada atividade do dia, dispostas em sequência, como café da manhã, escovar os dentes, brincar, terapia e lanche. O adulto ou terapeuta deve mostrar a rotina, nomear cada parte e permitir que a criança retire ou vire a imagem conforme a atividade termina.
Somente quando a criança entende essa estrutura e demonstra acompanhar a rotina de forma estável é que podemos prosseguir para o próximo passo. A tolerância a mudanças só é possível quando há uma base segura e previsível.
Passo 2. Inserir uma figura surpresa programada
Com a rotina consolidada, podemos introduzir o elemento “surpresa”. Ele pode ser representado por uma figura de interrogação colocada em um ponto específico do dia. Essa imagem indica que algo diferente vai acontecer.
No início, as surpresas devem ser positivas, como brincar no parque, receber um lanche especial ou ouvir uma música preferida. Assim, a criança aprende que mudanças nem sempre são ruins e que podem, inclusive, ser agradáveis e divertidas.
Após essa fase, as surpresas podem se tornar neutras, como jogar um papel no lixo, trocar de roupa ou ajudar a guardar os brinquedos. São atividades que a criança já realiza com tranquilidade, mas que não têm alto valor reforçador.
Mais adiante, podemos variar as surpresas entre atividades preferidas, neutras e levemente não preferidas, como esperar um pouco, arrumar o material ou participar de uma tarefa mais longa. Essa variação ajuda a generalizar a tolerância, fazendo com que a criança perceba que nem sempre dá para prever o tipo de surpresa, mas que ainda assim tudo segue bem.
Passo 3. Aumentar a frequência e variedade das interrogações
Quando a criança já reage de forma tranquila a uma ou duas surpresas no dia, é hora de aumentar a frequência. Nesse ponto, podem ser inseridas mais interrogações em diferentes momentos da rotina.
Essas interrogações não precisam estar sempre associadas a grandes mudanças. O importante é variar o contexto. Em um dia, a surpresa pode ser um passeio curto. Em outro, uma pequena tarefa extra. O foco é expandir a flexibilidade cognitiva e emocional, ajudando a criança a compreender que o dia pode mudar, mas continua sob controle.
Passo 4. Introduzir o uso das interrogações em situações reais de imprevisto
Quando a criança já compreende e aceita bem o símbolo da interrogação, podemos utilizá-lo em situações reais, fora do contexto programado.
Imagine que a criança chega à clínica e descobre que sua terapeuta faltou. Em vez de simplesmente comunicar o ocorrido, podemos mostrar a figura da interrogação e dizer: “Hoje aconteceu uma surpresa. A terapeuta não veio, então você vai esperar pintando na recepção.”
Dessa forma, o símbolo já familiar ajuda a criança a compreender o que está acontecendo e reduz a ansiedade diante do imprevisto. Com o tempo, ela aprende que as surpresas fazem parte da vida e que é possível lidar com elas de forma tranquila.
Por que isso é importante?
Ensinar a tolerar surpresas desenvolve flexibilidade comportamental, autorregulação emocional e resiliência. A criança passa a entender que mudanças podem acontecer e que ainda assim ela está segura e pode se adaptar. Isso facilita a convivência em ambientes como escola, casa e espaços públicos, onde os imprevistos são inevitáveis.
Além disso, crianças que aprendem a lidar com surpresas tendem a se frustrar menos, demonstrar mais autonomia e apresentar maior capacidade de resolução de problemas.
O processo deve ser feito com paciência, consistência e reforço positivo. Cada avanço merece ser reconhecido, e o adulto deve sempre garantir que a criança se sinta apoiada. Afinal, tolerar surpresas é, acima de tudo, aprender a confiar no ambiente, nas pessoas e em si mesma.
Autor do post:
Me. Amanda de Oliveira – Psicóloga (CRP: 13/9360), Pós Graduada em Clínica Analítico Comportamental, mestre em Psicologia Social.
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