Promovendo Flexibilidade em Crianças com TEA: Por Onde Começar?

Na prática clínica com crianças com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), a rigidez comportamental muitas vezes se comporta como essa Hidra. Eliminamos um comportamento repetitivo, e outros surgem: novos rituais, resistências ou formas de controle. Isso acontece porque, ao focar apenas na redução de comportamentos, esquecemos de ensinar repertórios mais amplos e adaptativos.

Por que ensinar flexibilidade importa?

Flexibilidade é uma habilidade operante — ou seja, pode ser ensinada, reforçada e generalizada. Ela permite que a criança:

    • Se adapte a mudanças inesperadas;
    • Emita diferentes respostas para um mesmo estímulo;
    • Crie novas soluções diante de um obstáculo;
    • Amplie suas possibilidades de interação social, acadêmica e funcional.

Agora, veja algumas atividades práticas e simples para começar esse processo:

Atividades para Promover Flexibilidade

1. Troca de Ordem nas Atividades

Objetivo: Ensinar que mudanças na rotina podem acontecer — e que tudo bem quando isso acontece.

Como aplicar:

    • Use a agenda visual (ou pictogramas) normalmente, mas troque pontualmente a ordem de dois itens.
    • Avise com antecedência: “Hoje vamos fazer massinha antes da história, ok?”.
    • Mantenha a mudança pequena no início e aumente gradualmente.

Exemplos práticos:

    • Trocar o lanche de lugar com o momento de leitura.
    • Fazer a brincadeira antes da atividade estruturada.
    • Trocar a terapeuta do dia (com aviso e reforço).

Dica: Sempre reforçar qualquer aceitação da mudança, mesmo que com leve resistência.

2. Variar o Uso dos Mesmos Brinquedos

Objetivo: Reduzir o uso repetitivo e fixo de objetos, promovendo criatividade e função simbólica.

Como aplicar:

  • Apresente o mesmo brinquedo e diga: “Hoje vamos brincar de um jeito diferente!”.
  • Modele novas formas de brincar — e espere uma tentativa da criança.
  • Reforce qualquer tentativa de variabilidade, mesmo que com ajuda.

 Exemplos:

  • Carrinho: correr, abastecer, esconder, empilhar.
  • Massinha: cobrir objetos, imitar comida, fazer letras.
  • Blocos: construir casa, classificar por cor, fingir que são comida.
  • Bonecos: simular uma ida ao médico, contar histórias, dar banho.

Importante: A variabilidade pode ser ensinada e deve ser reforçada com entusiasmo!

3. Escolha entre Duas Opções

Objetivo: Ensinar que existem várias formas válidas de fazer algo, desenvolvendo autonomia e aceitação de alternativas.

Como aplicar:

  • Ofereça duas opções reais e válidas. Exemplo: “Você prefere desenhar ou brincar de massinha?”
  • Reforce a escolha, mesmo que a criança tenha preferência sempre pela mesma coisa — e vá variando com o tempo.

Exemplos práticos:

  • Escolher a ordem das tarefas.
  • Escolher o reforçador da sessão.
  • Escolher o terapeuta (em dias em que há dois disponíveis).

Dica: Se a criança resistir a uma escolha que não está disponível, ofereça uma alternativa próxima e reforce a aceitação.

 

4. Recontar Histórias com Finais Diferentes

Objetivo: Trabalhar flexibilidade cognitiva e relacional, promovendo respostas variadas e criatividade verbal.

Como aplicar:

  • Leia uma história conhecida com a criança.
  • Ao final, pergunte: “E se o personagem tivesse feito outra coisa?”
  • Incentive a criação de um novo final. Exemplos: “E se o Chapeuzinho Vermelho tivesse ido por outro caminho?”, “O que mais o dinossauro poderia fazer no parque?”, “Vamos fazer um final onde o personagem fique feliz de um jeito diferente?”

Dica bônus: Use fantoches ou massinha para encenar os finais alternativos. Isso torna tudo mais concreto e divertido! 

Conclusão

Lidar com a rigidez comportamental não é apenas “cortar cabeças da Hidra”. É preciso ensinar respostas novas, ampliar possibilidades, reforçar cada pequeno passo fora do padrão repetitivo.

Promover flexibilidade é abrir caminho para mais autonomia, socialização e qualidade de vida. E isso se faz um comportamento de cada vez, com intenção, paciência e reforço.

 

Referência:

 Faria, K. T., Teixeira, M. C. T. V., Carreiro, L. R. R., Amoroso, V., & Paula, C. S. de. (2018). Atitudes e práticas pedagógicas de inclusão para o aluno com autismo. Revista Educação Especial, 31(61), 353–370.

Autor do post:

Bruna Araújo – Pedagoga, especialista em Análise do Comportamento Aplicada e Coordenadora ABA

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