No contexto da educação e desenvolvimento infantil, especialmente quando se trata de crianças com atrasos no desenvolvimento ou com necessidades específicas, uma das falas mais recorrentes entre pais e cuidadores é: “Ah, mas é mais rápido se eu fizer por ele.” Embora compreensível, esse comportamento pode representar um entrave significativo na construção da autonomia da criança.
Sob a perspectiva da Análise do Comportamento, a autonomia é resultado de um processo sistemático de aprendizagem, sustentado por contingências claras e consistentes. A cada oportunidade de realização de uma tarefa funcional que é retirada da criança, perde-se um momento valioso de ensino. O adulto, ao intervir para “adiantar” o processo, acaba reforçando comportamentos de dependência e reduzindo a probabilidade de que a criança tente novamente no futuro.
O papel das tentativas e dos erros na aprendizagem
Crianças aprendem por meio de tentativa, erro e reforço. A repetição de tentativas, mesmo que inicialmente mal-sucedidas, é o que possibilita o refinamento das habilidades. Quando o adulto realiza por ela, priva a criança do contato com as contingências naturais da tarefa e do reforçamento associado ao sucesso gradual.
Consequências comportamentais da superproteção
Ao longo do tempo, essa prática pode gerar um repertório comportamental empobrecido, baixa tolerância à frustração, evitamento de desafios e diminuição da iniciativa. Em contextos futuros, como o ambiente escolar ou a vida adulta, a ausência de habilidades funcionais pode comprometer a independência e a autoestima da criança.
Tempo como investimento e não como obstáculo
Ainda que o ensino de habilidades cotidianas demande mais tempo inicialmente, cada tentativa apoiada e reforçada é um passo rumo à autonomia. O adulto deixa de ser protagonista da ação e passa a ser mediador do aprendizado. A construção de independência exige um compromisso com o processo e não com a rapidez.
Estratégias recomendadas para os pais:
- Utilizar o encadeamento de tarefas, ensinando uma etapa de cada vez: dividir a atividade em pequenas partes e ensinar uma de cada vez permite que a criança se concentre e domine cada etapa gradualmente, reduzindo a frustração e promovendo sucessos frequentes.
- Empregar reforços sociais e tangíveis diante de tentativas e esforços: elogios, incentivos verbais, abraços ou pequenos prêmios (como figurinhas, tempo com brinquedo preferido) ajudam a manter a motivação da criança e aumentam a probabilidade de ela repetir o comportamento desejado.
- Reduzir gradativamente as ajudas (esvanecimento de dicas): iniciar com o nível de ajuda necessário (modelo, instrução verbal, física leve) e reduzir progressivamente, permitindo que a criança realize a tarefa com cada vez mais autonomia.
- Manter expectativas ajustadas ao repertório da criança: considerar o que ela já sabe fazer e onde estão seus desafios reais evita frustrações e possibilita metas realistas, que promovem avanço sem sobrecarga.
- Favorecer ambientes estruturados que promovam previsibilidade e segurança para tentar: organizar o ambiente com rotinas claras, pistas visuais e materiais acessíveis favorece a compreensão das tarefas e reduz a ansiedade, criando condições ideais para o aprendizado.
Considerações finais
A autonomia é um processo que se constrói com tempo, paciência e consistência. Pais e cuidadores exercem um papel essencial nesse percurso. Lembre-se: fazer com a criança é muito mais valioso do que fazer por ela. Cada minuto investido hoje reflete em anos de independência e competência no futuro.
Autor do post:
Joice Maria – Psicóloga (CRP: 13/9917), pós-graduada em Intervenção ABA para Autismo e Deficiência Intelectual, Coordenadora ABA.
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