Conectados e Desconectados: Adolescência, Internet e Interações Sociais — um olhar da Análise do Comportamento

Do ponto de vista da Análise do Comportamento, esse cenário levanta questões importantes sobre o tipo de reforçamento que os adolescentes estão recebendo ao optar por interações virtuais em detrimento das presenciais. Em ambientes online, o reforço é muitas vezes imediato, previsível e requer menor esforço — o que pode reduzir a motivação para buscar reforçadores mais complexos e menos previsíveis, como o contato social face a face.

Essa realidade se torna ainda mais sensível quando falamos de adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), cujas dificuldades em compreender nuances sociais, manter trocas comunicativas e generalizar habilidades sociais já fazem parte de seus desafios cotidianos. Em muitos casos, o excesso de tempo no ambiente virtual não apenas substitui oportunidades valiosas de interação social, como também pode reforçar padrões de isolamento, reduzindo ainda mais o contato com variáveis naturais de ensino e contingências sociais relevantes.

Para adolescentes com TEA, as interações sociais presenciais — mesmo que mediadas por adultos ou em contextos estruturados — são fundamentais para o desenvolvimento de habilidades de autorregulação, reciprocidade, leitura de sinais sociais e construção de vínculos. Quando o ambiente digital ocupa lugar central no repertório diário, essas oportunidades diminuem, e o desenvolvimento social pode ser impactado negativamente, tanto em termos de aquisição de habilidades quanto de manutenção e generalização.

Propostas de intervenção: recriar o ambiente e valorizar a interação social

Diante desse cenário, intervenções eficazes devem partir da reestruturação das contingências no ambiente natural, oferecendo alternativas reais de reforçamento social e oportunidades para aquisição e fortalecimento de repertórios sociais. Para adolescentes com TEA, isso significa organizar contextos nos quais as interações sociais sejam reforçadas de maneira planejada, individualizada e gradativa, respeitando as particularidades de cada jovem.

É fundamental que os programas terapêuticos incluam treinos sistemáticos de habilidades sociais, com ênfase em componentes como:

  • iniciar e manter conversas;
  • fazer e responder perguntas;
  • reconhecer sinais não verbais;
  • lidar com frustrações e divergências;
  • adaptar a linguagem ao contexto e ao interlocutor.

Essas habilidades devem ser ensinadas em ambiente estruturado, com uso de recursos visuais, modelagem, role-playing e reforço diferencial, e gradualmente generalizadas para ambientes naturais (escola, casa, grupos sociais). Além disso, o uso da própria tecnologia pode ser ressignificado: aplicativos e jogos interativos podem funcionar como ferramentas para promover contato social, desde que mediados e supervisionados.

Como os pais podem ajudar: mediação e limites conscientes

A participação ativa dos responsáveis é essencial. Os pais têm um papel central na mediação do uso da internet, mas também na promoção de experiências sociais no mundo real. Algumas estratégias fundamentadas na Análise do Comportamento incluem:

  • Estabelecer limites claros e consistentes para o tempo de tela, priorizando momentos compartilhados em família e atividades offline reforçadoras;
  • Modelar comportamentos sociais positivos, como escuta ativa, conversas sem interrupções e linguagem corporal receptiva;
  • Planejar situações sociais com estrutura e apoio, como visitas curtas a amigos, participação em grupos com interesses comuns, jogos de tabuleiro ou oficinas presenciais;
  • Reforçar diferencialmente comportamentos sociais adequados, como iniciar um diálogo ou manter contato visual, valorizando os pequenos avanços com atenção, elogios ou acesso a itens preferidos;
  • Observar padrões de evitação ou desconforto social para ajustarem, junto à equipe terapêutica, os objetivos de ensino e a intensidade das exposições.

A orientação técnica contínua dos profissionais que acompanham o adolescente é essencial para que os cuidadores reconheçam o valor de cada oportunidade de interação social como um momento de ensino e reforço.

Referências

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Cooper, J. O., Heron, T. E., & Heward, W. L. (2020). Applied Behavior Analysis (3rd ed.). Boston: Pearson.

Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2009). Técnicas de ensino de habilidades sociais: exemplos em contextos clínicos, escolares e organizacionais. Petrópolis: Vozes.

Green, V. A., & Carter, A. S. (2013). Social validity and the ABA treatment of autism: Research and practice. Behavior Analysis in Practice, 6(2), 38–49.

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Reichow, B., Doehring, P., Cicchetti, D. V., & Volkmar, F. R. (2011). Evidence-Based Practices and Treatments for Children with Autism. New York: Springer.

Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.

Volkmar, F. R., & McPartland, J. C. (2014). Autism Spectrum Disorder: A Reference Handbook. ABC-CLIO.

 

Autor do post:

Joice Maria – Psicóloga (CRP: 13/9917), pós-graduada em Intervenção ABA para Autismo e Deficiência Intelectual, Coordenadora ABA.

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