Intervenções Comportamentais no Ensino de Habilidades de Autoproteção e Prevenção ao Bullying: Estratégias, Aplicações e Recomendações

Nesse contexto, as habilidades de autoproteção têm se mostrado fundamentais no enfrentamento e prevenção do bullying. Tais habilidades consistem em estratégias comportamentais que capacitam indivíduos a identificar situações agressivas ou ameaçadoras, reagir assertivamente sem violência e comunicar adequadamente o ocorrido a pessoas responsáveis, como educadores, familiares ou supervisores. O objetivo principal dessas habilidades é proporcionar maior segurança emocional e física às vítimas e reduzir a probabilidade de que comportamentos agressivos sejam reforçados socialmente.

As intervenções comportamentais destacam-se como métodos eficazes para ensinar essas habilidades devido à sua abordagem prática, estruturada e baseada em evidências. Técnicas como Treinamento de Habilidades Comportamentais (Behavioral Skills Training – BST), Treinamento in situ (In Situ Training – IST) e Suporte ao Comportamento Positivo (Positive Behavior Support – PBS) têm demonstrado eficácia no desenvolvimento e generalização dessas estratégias para contextos reais e cotidianos, contribuindo significativamente para reduzir a frequência e os impactos negativos do bullying. Diante dessa relevância, o presente trabalho abordará as principais intervenções comportamentais voltadas ao ensino de habilidades de autoproteção e prevenção ao bullying, destacando suas aplicações práticas e implicações clínicas e educacionais.

  • O Bullying e os Desafios na sua Prevenção

O bullying é um comportamento socialmente complexo, pois envolve múltiplos fatores que vão além da simples interação agressor-vítima. Frequentemente, o bullying é sustentado por reforçadores sociais, como a atenção de colegas ou o fortalecimento do status social do agressor diante de seu grupo. Essas características tornam a identificação e intervenção no bullying particularmente desafiadoras. Segundo Ross e Horner (2009), uma das limitações dos programas convencionais de prevenção ao bullying reside justamente na dificuldade de operacionalizar claramente as definições desse fenômeno e identificar as variáveis que mantêm os comportamentos agressivos. Muitos programas falham porque ignoram esses reforçadores sociais específicos e acabam não abordando as causas reais do comportamento agressivo.

Além disso, a vulnerabilidade de determinados grupos agrava ainda mais essa situação. Crianças com autismo e indivíduos com deficiência intelectual, por exemplo, frequentemente enfrentam dificuldades significativas para reconhecer, interpretar e responder a situações sociais, tornando-os particularmente suscetíveis ao bullying (Fallon et al., 2025; Stannis et al., 2018). Essas populações têm dificuldades adicionais em comunicar e reportar agressões, além de frequentemente apresentarem respostas emocionais ou comportamentais que acabam reforçando ainda mais os agressores.

Por isso, é fundamental desenvolver intervenções comportamentais específicas e adaptadas às características únicas desses grupos vulneráveis. Estratégias individualizadas, práticas e estruturadas, capazes de considerar essas particularidades, tornam-se essenciais para reduzir o bullying de maneira eficaz, protegendo especialmente aqueles que possuem maiores dificuldades em se defender ou buscar ajuda em contextos sociais complexos.

  • Habilidades de Autoproteção: Conceitos e Componentes-Chave

As habilidades de autoproteção são comportamentos específicos ensinados com o objetivo de capacitar indivíduos a responderem de forma segura, assertiva e apropriada diante de situações de ameaça ou bullying. Elas são importantes porque permitem que a vítima ou a testemunha de uma situação agressiva responda efetivamente, sem violência, minimizando a possibilidade de reforçar ou agravar o comportamento agressivo do agressor, protegendo também seu próprio bem-estar físico e emocional.

Em intervenções comportamentais, algumas habilidades específicas são frequentemente priorizadas, devido à sua eficácia e adaptabilidade a diferentes contextos sociais. Entre as principais habilidades estão:

Não reagir agressivamente:
A habilidade de evitar reações violentas ou impulsivas, como gritar ou agredir fisicamente o agressor. Isso reduz a probabilidade de escalada da situação e minimiza danos adicionais.

Expressar desaprovação de maneira assertiva:
Ensina-se ao indivíduo como expressar verbalmente, de maneira clara e firme, que não aprova o comportamento agressivo, usando frases como “não gosto quando você fala assim comigo” ou “por favor, pare de fazer isso”. Esse comportamento oferece à vítima uma forma direta e respeitosa de estabelecer limites claros ao agressor.

Sair ou se afastar da situação problemática:
Consiste em ensinar ao indivíduo a reconhecer o momento apropriado para se retirar da situação. Ao se afastar fisicamente do local em que está ocorrendo a agressão, reduz-se significativamente o contato com estímulos aversivos e interrompe-se qualquer reforço involuntário ao agressor.

Reportar o ocorrido a um adulto responsável:
Essa habilidade é especialmente importante, pois capacita a vítima ou testemunha a buscar auxílio imediato com uma pessoa de confiança, relatando claramente a situação enfrentada. Isso permite que adultos responsáveis intervenham rapidamente e tomem as medidas necessárias para prevenir situações futuras de agressão (Ross & Horner, 2009; Stannis et al., 2018).

Ao ensinar essas habilidades-chave, intervenções comportamentais buscam fornecer estratégias concretas e socialmente aceitas para que vítimas e testemunhas respondam ao bullying com segurança e eficácia, promovendo ambientes mais saudáveis e seguros para todos.

  • Estratégias Comportamentais de Ensino

Behavioral Skills Training (BST)

O Behavioral Skills Training (BST), ou Treinamento de Habilidades Comportamentais, é uma abordagem baseada em princípios da análise do comportamento que consiste em quatro componentes principais: instrução direta, modelagem, ensaio (prática) e feedback. Inicialmente, o indivíduo recebe uma explicação detalhada sobre como realizar a habilidade alvo (instrução direta). Em seguida, o treinador demonstra o comportamento desejado por meio de exemplos claros e precisos (modelagem). Após essa etapa, o participante pratica repetidamente a habilidade em situações simuladas, garantindo oportunidade para o domínio prático (ensaio). Por fim, o participante recebe feedback imediato e específico sobre seu desempenho, fortalecendo respostas corretas e corrigindo erros (Fallon et al., 2025; Stannis et al., 2018).

Por exemplo, o BST pode ser aplicado para ensinar respostas assertivas e não agressivas diante do bullying. Fallon et al. (2025) utilizaram o BST para treinar crianças com autismo a expressarem verbalmente sua desaprovação quando enfrentassem comentários agressivos, ensinando-lhes frases como “Não gostei disso que você falou” e reforçando-as durante situações simuladas. Essa prática proporcionou às crianças uma forma eficaz e socialmente aceitável de lidar com o bullying.

Treinamento in situ (IST)

O Treinamento in situ (IST) é uma abordagem complementar ao BST, utilizada quando a pessoa treinada não consegue generalizar a habilidade adquirida em ambientes reais após o treinamento inicial. Esse método consiste em intervenções realizadas diretamente no contexto natural do indivíduo no momento exato em que a habilidade não é demonstrada. Caso o participante não aplique corretamente o que aprendeu previamente em treinamentos estruturados, o treinador intervém imediatamente oferecendo instruções adicionais, demonstrando novamente o comportamento desejado e garantindo que o participante pratique novamente no ambiente real (Stannis et al., 2018).

Essa abordagem é especialmente relevante para garantir que as habilidades aprendidas sejam generalizadas e mantidas em situações naturais, promovendo uma maior eficácia das intervenções. Como ilustrado por Stannis et al. (2018), o IST foi crucial para adultos com deficiência intelectual que inicialmente não conseguiram utilizar as habilidades aprendidas por BST. O treinamento no ambiente real permitiu que esses indivíduos passassem a responder assertivamente em situações cotidianas de bullying, aumentando a eficácia geral da intervenção.

Suporte ao Comportamento Positivo (PBS)

O Suporte ao Comportamento Positivo (Positive Behavior Support – PBS) é uma estratégia preventiva que visa reduzir comportamentos problemáticos, alterando diretamente os reforçadores sociais que os mantêm. No contexto do bullying, o PBS ensina vítimas e testemunhas como evitar fornecer reforços inadvertidos aos agressores, reduzindo assim a frequência desses comportamentos agressivos (Ross & Horner, 2009).

Um exemplo claro dessa abordagem é o modelo de três passos sugerido por Ross e Horner (2009): “Pare, se afaste e reporte” (“Stop, Walk, Talk”). Primeiro, ensina-se a vítima ou testemunha a comunicar diretamente que o comportamento agressivo deve parar (“Pare”). Caso o comportamento agressivo persista, o indivíduo é instruído a se afastar da situação, removendo assim qualquer reforço adicional ao agressor (“Se afaste”). Por fim, recomenda-se fortemente que o indivíduo relate a situação para um adulto responsável (“Reporte”), permitindo que medidas apropriadas sejam tomadas. Esse método, ao remover os reforçadores sociais do comportamento agressivo, auxilia na diminuição da frequência de episódios de bullying, contribuindo para um ambiente social mais saudável e seguro.

  • Recomendações para Aplicação na Prática Clínica e Educacional

É recomendável que profissionais da educação e terapeutas adotem intervenções fundamentadas em estratégias comportamentais para ensinar habilidades de autoproteção contra o bullying, sempre ajustando os procedimentos às características específicas dos alunos ou clientes envolvidos. Crianças com autismo ou indivíduos com deficiência intelectual, por exemplo, podem necessitar de recursos adicionais, como instruções visuais claras, reforço mais frequente ou treinamento contextualizado diretamente nas situações cotidianas (Fallon et al., 2025; Stannis et al., 2018).

Cabe aos profissionais garantir uma aplicação ética e responsável desses métodos, mantendo sempre a integridade física e emocional dos participantes. É essencial que todos os envolvidos compreendam claramente o caráter simulado das práticas, e que nenhum aluno seja exposto a situações constrangedoras ou emocionalmente desgastantes desnecessariamente. O sucesso das intervenções depende diretamente do cuidado ético e da habilidade dos profissionais em estabelecer relações seguras e de confiança com alunos e cuidadores, garantindo ambientes seguros e acolhedores para o aprendizado dessas habilidades essenciais.

  • Conclusão

Intervenções comportamentais têm grande potencial para ensinar habilidades eficazes na prevenção e enfrentamento do bullying, pois oferecem estratégias práticas, estruturadas e adaptáveis às necessidades individuais. Técnicas como BST, IST e PBS têm se mostrado eficazes em proporcionar às vítimas meios concretos e assertivos para reagir diante de situações agressivas, contribuindo para a redução da prevalência e dos impactos negativos do bullying. No entanto, é fundamental que tais intervenções sejam conduzidas com sensibilidade às especificidades de cada grupo-alvo, ética rigorosa e atenção à generalização das habilidades adquiridas, garantindo resultados eficazes, duradouros e seguros para todos os envolvidos.

 

 

Referência

Ross, S. W., & Horner, R. H. (2009). Bully prevention in positive behavior support. Journal of Applied Behavior Analysis, 42(4), 747-759.

Stannis, R. L., Crosland, K. A., Miltenberger, R., & Valbuena, D. (2018). Response to bullying (RTB): Behavioral skills and in situ training for individuals diagnosed with intellectual disabilities. Journal of Applied Behavior Analysis, 9999, 1–11.

Fallon, M. J., Luczynski, K. C., Rodriguez, N. M., Felty, C., & Rahaman, J. A. (2025). A preliminary analysis of teaching children with autism spectrum disorder self-protection skills for bullying situations. Journal of Applied Behavior Analysis

Autor do post:

Luiz Kennedy de Almeida Silva. – Psicólogo (CRP:13/9162), Pedagogo especializado em Psicopedagogia, coordenador ABA.

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