No campo da Análise do Comportamento Aplicada (ABA), é comum que profissionais enfrentem desafios ao tomar decisões clínicas diante de comportamentos considerados interferentes. A depender da situação, o foco pode se voltar para a redução de uma resposta, para o ensino de novas habilidades, para a adaptação do ambiente ou para estratégias mais preventivas. Mas, diante de tantas possibilidades, como organizar o raciocínio clínico sem perder de vista a individualidade de cada cliente?
Foi a partir dessa necessidade prática que surgiu o RUMO-CLARO, um modelo de organização de intervenção criado pelo Psic. Dr. Robson Faggiani, QBA, BCBA-D. O modelo não é uma metodologia nova, mas uma forma de estruturar o pensamento clínico com base nos princípios da ABA, integrando estratégias já consolidadas com uma perspectiva mais contemporânea, respeitosa e responsiva.
O RUMO-CLARO é utilizado atualmente como base para decisões clínicas, supervisões, formação de profissionais e comunicação com famílias. Seu uso permite que intervenções sejam mais compreensíveis, sustentáveis e adaptáveis — sem abrir mão da precisão técnica nem da consideração ética.
Por que criar um modelo como o RUMO-CLARO?
Profissionais da Análise do Comportamento têm à disposição um grande repertório de estratégias bem fundamentadas. No entanto, essas estratégias nem sempre são organizadas de forma clara ou aplicadas com critério. Isso pode resultar em intervenções pouco sistemáticas, com foco excessivo em respostas aversivas, ou então sem progressividade, o que dificulta tanto a adesão do cliente quanto o progresso em direção a repertórios mais complexos.
Além disso, o uso isolado de estratégias — como reforçamento diferencial ou extinção — sem uma estrutura de suporte que considere a motivação, o ambiente e a possibilidade de escolha, pode tornar a intervenção menos eficaz e, em alguns casos, até mesmo eticamente questionável.
O RUMO-CLARO foi pensado para responder a esse desafio: oferecer uma estrutura prática e flexível, que oriente o planejamento e a tomada de decisão com base em nove diretrizes, aplicáveis tanto à prevenção quanto à resposta aos comportamentos interferentes.
O que significa RUMO-CLARO?
A sigla é composta por nove letras, cada uma representando uma diretriz de ação:
• R – Reduza a motivação para o comportamento-problema
Muitas vezes, o comportamento ocorre porque há uma motivação muito alta para obter algo ou escapar de algo. Estratégias como reforço não contingente (NCR), saciação, ou aumento do esforço para a resposta problemáticapodem ajudar a reduzir a probabilidade de ocorrência.
• U – Utilize sinais claros para prever o que acontecerá
Previsibilidade é uma forma de cuidado. Quadros de rotina, avisos verbais, histórias sociais e temporizadores são recursos que ajudam a criança a compreender a sequência das atividades e se preparar para elas.
• M – Modifique o ambiente de forma gradual e respeitosa
A introdução de demandas ou mudanças deve ocorrer de forma progressiva. Isso pode incluir dessensibilização sistemática, aumento gradual da duração de uma tarefa, ou a aproximação progressiva a estímulos aversivos.
• O – Ofereça escolhas e adaptações com base no cliente
A possibilidade de escolha aumenta a colaboração. É possível oferecer escolhas de atividades, reforçadores, locais de realização da tarefa ou permitir adaptações sensoriais e apoios visuais que respeitem o perfil do cliente.
• C – Combine regras, expectativas e acordos com o cliente
A combinação de expectativas pode ocorrer com recursos simples (como combinados visuais) ou mais complexos (como economias de fichas familiares, que envolvem acordos de curto e longo prazo). O importante é que o cliente compreenda e participe do processo.
• L – Liste repertórios desejados e promova seu ensino
O foco principal da intervenção deve ser sempre a construção de habilidades. O ensino de respostas comunicativas é prioridade sempre que possível, como ensinar a pedir ajuda, recusar, negociar ou indicar desconforto. Essa diretriz valoriza o ensino de repertórios socialmente significativos.
• A – Aplique reforço planejado e outras consequências éticas
O reforçamento diferencial (DRA, DRO, DRI, FCT) é central, mas também podem ser usadas, com critério, estratégias como extinção planejada, prática positiva, restituição ambiental ou custo de resposta — sempre com base ética e análise funcional.
• R – Registre dados relevantes da intervenção
Sem dados, não há intervenção responsável. O registro pode incluir frequência, duração, intensidade, ou dados qualitativos que permitam avaliar o progresso e fazer ajustes.
• O – Observe resultados e replaneje de forma responsiva
A intervenção deve acompanhar a criança. Mudanças no comportamento, no ambiente ou nas relações exigem ajustes constantes, baseados na observação sensível e no compromisso com o progresso real.
Para quem serve o modelo RUMO-CLARO?
Embora tenha sido desenvolvido no contexto clínico da ABA, o modelo pode ser utilizado por diferentes públicos: analistas do comportamento, técnicos ABA, supervisores, professores, cuidadores e familiares. Seu valor está justamente em oferecer uma linguagem acessível e uma estrutura funcional para planejar intervenções mais eficazes e respeitosas.
Na Clínica Incentivo, o RUMO-CLARO tem sido uma ferramenta fundamental na formação da equipe, no atendimento direto e na comunicação com famílias. Ele representa nosso compromisso com uma terapia que respeita o indivíduo, promove a autonomia e constrói caminhos sólidos de aprendizagem.
Referências
Reforço não contingente, motivação e modificação de antecedentes (R, U, M):
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Autor do post:
Dr. Robson Faggiani – Analista do Comportamento, Psicólogo (CRP 13/8413), Especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva, Mestre e Doutor em Psicologia Experimental, BCBA-D, QBA.
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