Imagine ensinar uma criança que “um leão é maior que um gato” e que “um gato é maior que um rato”, e ela, mesmo sem ter ouvido isso antes, concluir corretamente que “um leão é maior que um rato”. Essa capacidade de aprender novas relações sem ensinamento direto chama-se responder relacional derivado (RRD), um processo fundamental para a linguagem e cognição humana, especialmente relevante para pessoas com autismo.
Neste artigo, vamos explorar: O que é responder relacional derivado; Por que é essencial para o desenvolvimento verbal e acadêmico; Como pais e terapeutas podem identificar e ensinar esse repertório; O papel dos programas como o PEAK; Dicas práticas para aplicar no cotidiano clínico e familiar
O que é o Responder Relacional Derivado?
Responder relacional derivado é a capacidade de relacionar estímulos de forma arbitrária, sem reforço direto, com base em outras relações previamente aprendidas. Isso inclui relações como:
Coordenação (igualdade)
Comparação (maior que / menor que)
Oposição (o contrário de)
Distinção (diferente de)
Hierarquia (inclusão: parte de um todo)
Temporalidade (antes/depois)
Deiticidade (perspectiva: eu/tu, aqui/lá)
Essas relações são fundamentais para a generatividade da linguagem: a habilidade de compreender e produzir frases ou conceitos nunca antes ensinados.
Por que isso é importante para pessoas com autismo?
Indivíduos com autismo muitas vezes apresentam déficits nos repertórios relacionais derivados, o que impacta diretamente:
O desenvolvimento de linguagem complexa
A generalização de habilidades
A resolução de problemas e o raciocínio abstrato
A aprendizagem acadêmica (matemática, ciências, leitura inferencial)
A perspectiva social (teoria da mente)
Treinar esses repertórios pode gerar ganhos significativos em aprendizagem e autonomia.
Evidências Científicas: O que os estudos mostram?
- PEAK como ferramenta prática
O estudo de Dixon et al. (2021) demonstrou que crianças com autismo puderam aprender relações de equivalência (reflexividade, simetria e transitividade) com o uso do módulo PEAK-E. Mais importante: as crianças passaram a demonstrar relações derivadas com novos estímulos não treinados, evidenciando que o RRD pode funcionar como um operante generalizado.
- Revisão sistemática sobre outros tipos de relações
Já a revisão de Gibbs et al. (2023) mostrou que embora a maioria dos estudos se concentre em coordenação (igualdade), indivíduos com autismo também podem demonstrar habilidades derivadas em outras molduras relacionais, como comparação e deiticidade, desde que recebam treinamento apropriado. A chave? Exposição a múltiplos exemplares e ensino sistemático.
Como ensinar o RRD na prática clínica e em casa?
- Avalie o repertório atual: Ferramentas como o PEAK ou outros protocolos baseados em molduras relacionais (RFT) ajudam a identificar quais molduras o indivíduo já demonstra e quais precisam ser ensinadas.
- Use ensino com múltiplos exemplares: Ensine relações entre estímulos diferentes (ex.: vaca → leite, galinha → ovo) e depois teste se a criança pode derivar novas relações (leite → vaca).
- Vá além do pareamento: Evite treinos “decorados”. Ensine relações por meio de: narrativas simples; jogos de classificação; Cartões com relações opostas, comparativas ou hierárquicas; perspectiva (brincadeiras com “meu” e “seu”, “aqui” e “lá”)
- Promova generalização: Após o ensino, varie os estímulos, contextos e formatos (auditivo, visual, tátil). Use objetos do cotidiano, figuras, sons e situações reais.
Dicas para pais e cuidadores
Observe se a criança generaliza aprendizados. Exemplo: ela aprendeu que “faca é afiada”; será que ela também entende que “tesoura pode cortar”? Use perguntas indutivas. Exemplo: “Se o gato é maior que o rato e o leão é maior que o gato, quem é o maior?”. Leia livros com relações lógicas. Peça que a criança explique “por que” algo aconteceu ou o que ela acha que vem depois.
Conclusão
Ensinar responder relacional derivado é uma das formas mais poderosas de promover linguagem flexível e aprendizagem eficiente em crianças com autismo. Com o apoio de abordagens sistemáticas como PEAK-E e treinos de múltiplos exemplares, é possível desenvolver repertórios que ultrapassam o comportamento ensinado e ampliam as possibilidades de compreensão, comunicação e autonomia.
Se você é terapeuta, considere incluir repertórios relacionais em seus planos. Se você é pai ou mãe, incentive relações lógicas no dia a dia, e converse com a equipe terapêutica sobre como fortalecer essa habilidade essencial.
Quer ajuda para aplicar isso na prática? Entre em contato com nossa equipe e conheça nossos programas de avaliação e intervenção baseados em ciência.
Referencia:
DIXON, Mark R. et al. Evidence from children with autism that derived relational responding is a generalized operant. Behavior Analysis in Practice, v. 14, p. 295–323, 2021.
GIBBS, Ashley R. et al. A systematic review of derived relational responding beyond coordination in individuals with autism and intellectual and developmental disabilities. Journal of Developmental and Physical Disabilities, 2023.
Autor do post:
Luiz Kennedy de Almeida Silva – Psicólogo (CRP:13/9162), Pedagogo especializado em Psicopedagogia, Coordenador ABA.
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