Confiança, Consistência e Conexão: O Tripé do Vínculo Terapêutico

Para que o processo de ensino ocorra de forma eficaz, é fundamental que a terapeuta seja um estímulo reforçador para a criança. Ou seja, sua presença e interação devem estar associadas a experiências positivas. Quando a criança se sente segura e confortável com o terapeuta, ela passa a confiar e se engajar mais facilmente nas atividades propostas.

Sem esse vínculo, é comum observar comportamentos de esquiva, fuga, resistência a novas demandas e baixa motivação. Por isso, o estabelecimento de uma relação afetuosa, previsível e sensível às necessidades da criança é o primeiro passo para que qualquer intervenção funcione de maneira funcional e ética.

Para construir vínculo com a criança, a terapeuta deve:

> Reservar tempo no início do processo para brincadeiras livres e interações não-demandantes;

> Evitar, nos primeiros encontros, a imposição de demandas difíceis ou instruções rígidas;

> Observar o repertório da criança e identificar o que ela gosta de ver, ouvir, tocar, sentir e cheirar;

> Utilizar esses estímulos preferidos de forma contingente e não contingente para associar sua presença a reforçadores.

É importante lembrar que os pais são a principal fonte de informação sobre os interesses da criança. Perguntar o que ela gosta de assistir, ouvir, sentir e brincar é uma estratégia essencial para personalizar o vínculo desde o início.

Outro ponto essencial é garantir que a criança esteja atenta durante as interações. Falar com uma criança que está distraída, sensorialmente envolvida ou desengajada pode comprometer a eficácia da intervenção. Algumas estratégias incluem:

> Aguardar o contato visual ou o direcionamento do olhar antes de iniciar uma fala ou pergunta;

> Chamar a criança pelo nome com entonação clara e chamativa;

> Utilizar reforçadores sociais imediatamente após respostas atentas e participativas.

Esses pequenos ajustes aumentam significativamente a probabilidade de resposta, promovendo uma relação mais responsiva e funcional entre terapeuta e criança.

A construção do vínculo não se limita à terapeuta. A generalização das interações positivas também depende de orientar os familiares. É necessário que os pais também estejam atentos à responsividade da criança, utilizem frases curtas, reforcem tentativas de resposta e criem momentos significativos de interação ao longo do dia, como durante o banho, alimentação ou brincadeiras.

Orientações simples como “aguarde ele olhar para você antes de perguntar”, ou “ofereça duas escolhas com palavras claras” fazem toda a diferença na promoção de um ambiente familiar mais responsivo e estimulante.

A monografia de Evelyne Figueiredo (2005), intitulada “Vínculos e Psicoterapia: a linguagem silenciosa”, aprofunda o entendimento do vínculo terapêutico a partir de uma perspectiva relacional e afetiva. A autora destaca que toda relação terapêutica é construída também por elementos não-verbais, que fazem parte da chamada “linguagem silenciosa”. Essa linguagem é composta por expressões emocionais, gestos, olhar, postura corporal e até mesmo a presença sensível do terapeuta.

Segundo Figueiredo, o terapeuta ocupa, simbolicamente, uma função semelhante à da figura de apego da infância: ao oferecer acolhimento, previsibilidade e empatia, proporciona à criança um contexto relacional seguro onde ela pode explorar novos comportamentos e enfrentar desafios. Essa segurança se aproxima do conceito de “base segura” de Bowlby, que sustenta a exploração e o desenvolvimento emocional do indivíduo.

Além disso, a autora ressalta que a mudança terapêutica não acontece apenas por meio das palavras, mas a partir do encontro autêntico e da co-construção de significados entre terapeuta e paciente. Isso reforça a importância do vínculo em todas as etapas do processo terapêutico, inclusive na ABA, mesmo que em um formato mais estruturado e técnico.

O vínculo terapêutico é mais do que uma etapa inicial: ele é fundamento contínuo de todo o processo de ensino. Ser um estímulo reforçador, promover atenção ativa, respeitar o tempo da criança e considerar seus interesses são estratégias poderosas para construir uma relação significativa.

É importante destacar, que esse vínculo não substitui a técnica: ele a potencializa. A atuação do terapeuta exige conhecimento científico sólido, domínio das estratégias baseadas em evidências e capacidade analítica para tomar decisões responsáveis. É a partir desse embasamento técnico que conseguimos planejar intervenções eficazes, éticas e ajustadas à singularidade de cada criança.

“Domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”  – Carl Gustav Jung.

Autor do post:
Joice Maria
– Psicóloga (CRP: 13/9917), pós-graduada em Intervenção ABA para Autismo e Deficiência Intelectual, Coordenadora ABA.

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