O autismo envolve desafios em comunicação, interação social, comportamento, aprendizagem e saúde. Nenhuma profissão, isoladamente, consegue lidar com todas essas dimensões. Por isso, a atuação conjunta de diferentes áreas, como ABA, psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, pedagogia e medicina, é essencial. Quando os profissionais compartilham objetivos e combinam estratégias, a criança recebe um atendimento mais coerente e a família entende melhor como agir em casa e na escola.
Embora o termo “multiprofissional” seja usado de forma genérica, ele pode ter significados diferentes. No modelo multiprofissional, cada profissional cuida de seu campo e faz apenas trocas pontuais. No interdisciplinar, existe um plano único, com metas discutidas em grupo e decisões conjuntas; é o formato que costuma dar mais certo na prática. Já no transdisciplinar, um profissional aplica, com orientação e supervisão, recursos de outra área, como quando um professor utiliza estratégias de comunicação ensinadas por uma fonoaudióloga ou por um analista do comportamento. Em qualquer caso, o importante é sair da lógica de “cada um por si” e avançar para um plano comum e vivo.
Para que isso funcione, as reuniões de equipe precisam ser realistas: curtas, objetivas e previsíveis. Em casos intensivos, é útil que aconteçam semanal ou quinzenalmente; quando o quadro está estável, uma reunião mensal pode ser suficiente. O foco deve estar em dados recentes, como o que melhorou, o que piorou, o que não mudou, resultando em ajustes práticos e definição de responsabilidades até o próximo encontro. Quando a família participa, os objetivos ganham mais sentido, pois refletem de fato a rotina da criança. A ausência de pauta e registros, por outro lado, transforma a reunião em uma conversa solta que não produz mudanças concretas.
Outro ponto central é a circulação de informações. O que precisa ser compartilhado são dados que impactam diretamente a intervenção: resultados de avaliações, plano atual, frequência de comportamentos-alvo, mudanças de medicação, alergias, perfil sensorial e resultados de reavaliações. Um prontuário ou mesmo uma planilha simples, acessível a todos, já ajuda a manter o processo organizado. Além disso, é fundamental articular clínica, escola e casa. A criança aprende mais quando as mesmas estratégias aparecem em diferentes ambientes: sinais visuais consistentes, rotinas previsíveis e um sistema de comunicação único. Visitas técnicas curtas, vídeos rápidos de demonstração e a figura de um coordenador do caso evitam contradições. O que funciona na clínica precisa ter chance de acontecer também na escola e no cotidiano familiar.
Apesar das vantagens, não é incomum encontrar obstáculos: falta de tempo, agendas desencontradas, excesso de termos técnicos e até disputas entre abordagens. Três medidas simples costumam ajudar: nomear um coordenador do caso, estimular uma comunicação clara e baseada em exemplos, e adotar uma regra básica de convivência: discordar olhando para os dados e para os objetivos da família, e não para preferências pessoais. Pequenas atitudes também fazem diferença. Registrar em poucos minutos, após cada sessão, os pontos principais no sistema compartilhado melhora a qualidade das reuniões. Gráficos simples de aquisição e de redução, atualizados mensalmente, ajudam a dar foco rápido. E um feedback bimestral, curto e específico sobre o que manter e o que ajustar, reduz ruídos entre as áreas.
Saber se a equipe está no caminho certo exige observar alguns sinais: metas globais sendo cumpridas, menos contradições entre os ambientes, família aplicando as estratégias com segurança, escola relatando mudanças observáveis e dados com tendência clara de progresso. Quando nada disso aparece, é hora de simplificar: rever prioridades, reduzir objetivos e redefinir responsabilidades com prazos definidos.
Referências
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Strunk, J. A., & Allen, R. (2017). Using a multidisciplinary approach with children diagnosed with autism spectrum disorder. Journal of Pediatric Rehabilitation Medicine, 10(4), 283–296.
Autor do post:
Dr. Robson Faggiani – Analista do Comportamento, Psicólogo (CRP 13/8413), Especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva, Mestre e Doutor em Psicologia Experimental, BCBA-D, QBA.
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