Embora frequentemente utilizados como sinônimos, os termos orientação parental e treinamento de pais possuem enfoques distintos no contexto da psicologia e da análise do comportamento.
A orientação parental, conforme descrita por Benites et al. (2021) e conforme proposto por programas clínicos de intervenção em psicologia e neuropsicologia, é um processo realizado junto aos pais e/ou responsáveis, por vezes com a participação da criança ou adolescente. Essa modalidade busca orientar e acompanhar os cuidadores na educação e no desenvolvimento dos filhos. Trata-se de um espaço de escuta e reflexão, fundamentado em conhecimentos da psicologia e da neuropsicologia, com os seguintes objetivos:
– Reconhecer o que os pais já estão fazendo de forma positiva;
– Potencializar as ações e práticas educativas adequadas;
– Identificar fatores que podem estar influenciando as demandas da criança ou adolescente;
– Auxiliar na compreensão do funcionamento familiar;
– Identificar práticas parentais que podem não estar contribuindo para o desenvolvimento adequado;
– Psicoeducar os pais sobre o desenvolvimento infantil e as necessidades específicas da criança;
– Aperfeiçoar a interação e a comunicação familiar.
Esse tipo de intervenção prioriza a reflexão sobre o papel parental, o entendimento das necessidades emocionais da criança e o ajuste das práticaseducativas, mais do que o ensino técnico de estratégias comportamentais específicas.
Em contrapartida, o treinamento de pais é uma intervenção estruturada e baseada em evidências, geralmente fundamentada na Análise do Comportamento Aplicada (ABA) ou em modelos cognitivo-comportamentais. Seu objetivo é ensinar estratégias específicas de manejo comportamental, como o uso de reforçamento positivo, extinção e modelagem, voltadas à mudança de comportamentos-alvo da criança. Diferentemente da orientação parental, o treinamento de pais envolve protocolos padronizados, metas mensuráveis e acompanhamento sistemático, sendo um processo mais instrucional e técnico.
Enquanto o treinamento de pais ensina o que fazer e como fazer, a orientação parental busca promover a compreensão do porquê e para que fazer. Essa distinçãopermite que os cuidadores compreendam o impacto de suas práticas, reflitam sobre suas próprias experiências de parentalidade e ajustem suas expectativas de acordo com a fase de desenvolvimento dos filhos (Benites et al., 2021; Barkley, 2013).
A participação ativa da família no processo de desenvolvimento infantil é reconhecida como um dos principais fatores de proteção e promoção de comportamentos adaptativos (Bjorklund, Yunger & Pellegrini, 2002; Reppold, Pacheco & Hutz, 2005). Nesse contexto, a orientação parental e o treinamento de pais destacam-se como estratégias de intervenção psicológica e educacional com objetivos distintos, porém complementares.
De acordo com Benites et al. (2021), a orientação parental visa modificar o contexto em que a criança está inserida, apoiando e orientando os cuidadores quanto às suas práticas educativas, comunicação e manejo comportamental. É um processo de acompanhamento e psicoeducação, que pode incluir momentos de reflexão sobre as dificuldades familiares, mas não se configura como psicoterapia.
Embora o profissional precise compreender a história e o funcionamento emocional dos pais, o foco da intervenção é a relação parental e as necessidades da criança, e não as demandas pessoais dos cuidadores. Caso essas demandas surjam e necessitem de maior aprofundamento, os responsáveis podem ser encaminhados para psicoterapia individual ou de casal, de modo complementar à orientação.
Em síntese, a orientação parental busca orientar, apoiar e educar pais e cuidadores sobre práticas adequadas, enfatiza a relação entre pais e filhos, utiliza conhecimentos da psicologia e da neuropsicologia para promover mudanças nas práticas educativas e não substitui o processo terapêutico voltado às questões emocionais dos adultos.
Além disso, esse processo envolve o reconhecimento e a ampliação das ações positivas já existentes, a identificação de práticas ineficazes e de fatores contextuais que influenciam o comportamento infantil, a psicoeducação sobre desenvolvimento e regulação emocional e a melhoria da comunicação familiar.
Por outro lado, o treinamento de pais é uma intervenção estruturada, técnica e mensurável, frequentemente embasada na Análise do Comportamento Aplicada (ABA) e em abordagens cognitivo-comportamentais (Caballo, 2005; Caminha & Caminha, 2011; Barkley, 2013). Seu objetivo é ensinar estratégias práticas demanejo, como reforçamento positivo, modelagem e extinção, visando à modificação de comportamentos específicos.
Enquanto o treinamento de pais ensina o que fazer e como fazer, a orientação parental promove a compreensão do porquê e para que fazer, estimulando a reflexão e a consciência parental (Benites et al., 2021; Siegel, 2012).
CONCLUSÃO
Compreender as diferenças entre orientação parental e treinamento de pais é fundamental para a prática profissional em psicologia, neuropsicologia e análise do comportamento. Embora ambas as estratégias tenham como objetivo principal favorecer o desenvolvimento infantil e o fortalecimento das relações familiares, seus enfoques e metodologias são distintos e complementares.
A orientação parental configura-se como um processo psicoeducativo que visa promover reflexão, autoconhecimento e aprimoramento das práticas educativas dos cuidadores. Seu foco está na compreensão das necessidades da criança e na qualidade da interação familiar, não nas demandas pessoais dos pais. Por esse motivo, ainda que envolva aspectos emocionais e relacionais, a orientação parental não se caracteriza como uma terapia, podendo, quando necessário, encaminhar os cuidadores para acompanhamento psicoterapêutico.
Já o treinamento de pais tem caráter mais técnico e estruturado, voltado ao ensino de estratégias específicas para o manejo comportamental. Trata-se de uma intervenção sistemática, baseada em evidências, que busca modificar comportamentos observáveis por meio de princípios comportamentais e mensuração de resultados.
Ambas as abordagens, quando aplicadas de maneira ética e contextualizada, podem se complementar. A orientação parental favorece o engajamento e a compreensão dos cuidadores, enquanto o treinamento de pais fornece ferramentas práticas para o cotidiano familiar.
Dessa forma, o papel do profissional é avaliar as necessidades da família e selecionar a abordagem mais adequada a cada caso, promovendo um processo de intervenção que valorize tanto o aprendizado técnico quanto a reflexão e o fortalecimento do vínculo familiar. O alinhamento entre conhecimento científico, sensibilidade clínica e escuta empática é o que torna a atuação junto às famílias realmente transformadora.
Autor do post:
Joice Silva – Psicóloga (CRP: 13/9917), pós-graduada em Intervenção ABA para Autismo e Deficiência Intelectual, Coordenadora ABA.

Referências
BARKLEY, R. A. Defiant children: A clinician’s manual for assessment and parent training. 3. ed. New York: The Guilford Press, 2013.
BENITES, M. R. et al. Orientação a práticas parentais: descrição de um programa de intervenção individual breve. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 41, n. esp. 3, p. 1–15, 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-3703003192813.
BJORKLUND, D. F.; YUNGER, J. L.; PELLEGRINI, A. D. The evolution of parenting and evolutionary approaches to childrearing. In: BORNSTEIN, M. H. (ed.). Handbook of Parenting. Vol. 2. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum, 2002. p. 3–30.
CABALLO, V. E. Manual de psicologia clínica infantil e do adolescente: transtornos específicos. São Paulo: Santos, 2005.
CAMINHA, M. G.; CAMINHA, R. M. (org.). Intervenções e treinamento de pais na clínica infantil. Porto Alegre: Sinopsys, 2011.
REEPOLD, C. T.; PACHECO, J. T. B.; HUTZ, C. S. Comportamento agressivo e práticas disciplinares parentais. In: HUTZ, C. S. (org.). Violência e risco na infância e adolescência: pesquisa e intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. p. 9–42.
SIEGEL, D. J. The developing mind: how relationships and the brain interact to shape who we are. 2. ed. New York: The Guilford Press, 2012.




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