Generalização: o passo que mais falha sem ninguém perceber

A generalização envolve múltiplas dimensões. A criança precisa ser capaz de emitir um comportamento em diferentes ambientes, com diferentes pessoas, usando diferentes materiais e diante de variações naturais da rotina. Em outras palavras, é preciso romper a dependência de um conjunto estreito de condições. Quando o repertório permanece preso a uma terapeuta específica, a uma sala específica ou a um arranjo de reforço muito particular, ele funciona apenas como um “treino” e não como uma habilidade disponível para uso cotidiano. É por isso que tantos comportamentos parecem sólidos na sessão, mas desaparecem rapidamente em casa ou na escola.

A generalização falha com frequência por motivos relativamente simples. Muitas habilidades são ensinadas de forma excessivamente restrita, com baixo número de variações e pouco contato com estímulos naturais. Além disso, profissionais e familiares, ao perceberem a primeira emissão correta do comportamento, costumam concluir que a criança já aprendeu. Essa interpretação precoce reduz o tempo de prática, elimita oportunidades de testar o repertório em outras condições e faz com que a habilidade fique “congelada” no primeiro contexto de aprendizagem. Outro ponto delicado é a ausência de testes sistemáticos: sem verificar como o comportamento se comporta em pessoas, locais e materiais diferentes, a equipe não consegue avaliar se ele realmente se manteve ou se está limitado ao contexto original.

As consequências dessa falha são claras. A criança pode demonstrar competência sob demanda, mas não utiliza a habilidade de forma espontânea. Isso é interpretado erroneamente como falta de motivação, oposição ou “comportamento seletivo”, quando, na verdade, o repertório não foi suficientemente fortalecido fora da sessão. Esse tipo de situação compromete a qualidade da intervenção, confunde a percepção da família e impede que a criança usufrua plenamente do que já foi aprendido.

Para que a generalização ocorra de maneira adequada, o planejamento deve ser explícito. Isso inclui variar sistematicamente os ambientes de ensino, alterar materiais, modificar a forma de apresentação das demandas e garantir que mais de um adulto participe do processo. A presença de pais, irmãos e professores não deve ser vista como algo complementar, mas como parte estruturante da intervenção. Além disso, o uso de reforçadores naturais é essencial. Quando o comportamento depende de reforços artificiais muito específicos, ele encontra dificuldades para competir com as contingências reais que operam na vida cotidiana. Em contrapartida, quando o reforço emerge naturalmente da própria situação, como conseguir algo desejado, interagir de maneira bem-sucedida ou resolver um problema com autonomia, a probabilidade de manutenção aumenta significativamente.

Outro ponto importante é evitar tratar o repertório-alvo como algo “delicado demais” para ser testado fora da sessão. A generalização não pode ser adiada até que a habilidade esteja “perfeita”, porque a perfeição no ambiente controlado não garante funcionalidade no ambiente natural. Testar cedo, variar cedo e desafiar cedo são práticas que fortalecem a consistência do comportamento ao longo do tempo. O papel da equipe é identificar os limites do repertório e expandi-los gradualmente, com registro contínuo para orientar ajustes.

Em intervenções robustas, a generalização funciona como um termômetro silencioso de qualidade. Não importa o quão bom o treino pareça na sala; o que realmente indica sucesso é a observação de que a família consegue ver o comportamento surgindo de maneira espontânea, em momentos comuns e com baixa necessidade de prompts. Quando isso acontece, sabemos que o repertório se consolidou. Quando não acontece, sabemos que ainda há trabalho a ser feito, independentemente da planilha indicar conclusão do alvo.

No fim das contas, generalizar é transformar aprendizagem em vida prática. É garantir que o esforço da criança, da família e da equipe produza mudanças reais. Programas que tratam a generalização como etapa opcional criam repertórios frágeis, enquanto programas que a tratam como eixo central criam repertórios duradouros. E é essa durabilidade que, no longo prazo, faz diferença para o desenvolvimento, a autonomia e a qualidade de vida da criança.

 

 

Referências

Erhard, P., & ­Falcomata, T. S. (2023). Generalization. In J. L. Matson (Ed.), Handbook of Applied Behavior Analysis: Integrating Research into Practice (pp. 251-268). Springer. Google Acadêmico +3 SpringerLink +3 Scribd +3

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Brown, W. H., & Odom, S. L. (1994). Strategies and tactics for promoting generalization and maintenance of young children’s social behavior. Research in Developmental Disabilities, 15(2), 99-118.

 

 

Autor do post:

Dr. Robson Faggiani – Analista do Comportamento, Psicólogo (CRP 13/8413), Especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva, Mestre e Doutor em Psicologia Experimental, BCBA-D, QBA.

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