TEA e Comorbidades: as mais comuns e suas características

Uma das comorbidades mais frequentes é o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Estima-se que entre 30% e 60% dos indivíduos com TEA também apresentam sintomas de TDAH, como impulsividade, dificuldade de concentração e hiperatividade motora. A coexistência das duas condições pode dificultar tanto o diagnóstico diferencial quanto a escolha das intervenções, já que os sintomas se sobrepõem e podem mascarar sinais do espectro ou do transtorno atencional.

A ansiedade também aparece com alta prevalência, afetando de forma significativa o bem-estar emocional de muitas pessoas autistas. Ansiedade de separação, fobias específicas, ansiedade social e até transtorno de pânico são comuns. Esses quadros ansiosos muitas vezes se manifestam por meio de comportamentos desafiadores ou regressivos e, sem o devido manejo, podem gerar grande sofrimento. A presença da ansiedade pode ainda intensificar sintomas do espectro, como rigidez comportamental e evasão social.

Outro transtorno amplamente registrado é a depressão, especialmente entre adolescentes e adultos com autismo. O isolamento social, as dificuldades de comunicação e a percepção de não pertencimento são fatores que contribuem para a sintomatologia depressiva. A detecção da depressão em pessoas autistas pode ser difícil, já que muitos expressam suas emoções de forma diferente e não verbalizam o sofrimento emocional como o esperado em populações neurotípicas.

A epilepsia é uma comorbidade neurológica importante, afetando cerca de 20% a 30% dos indivíduos com TEA, especialmente aqueles com maior grau de comprometimento intelectual. As crises epilépticas podem surgir na infância ou na adolescência e exigem monitoramento clínico rigoroso.

Distúrbios do sono também são frequentemente relatados. Insônia, despertares frequentes, dificuldades em iniciar ou manter o sono e distúrbios do ritmo circadiano podem comprometer não apenas o comportamento diurno da criança, mas também o funcionamento familiar. O sono desregulado interfere na atenção, no humor e nas aprendizagens, exigindo, muitas vezes, intervenções específicas e multidisciplinares.

 

Outro grupo relevante de comorbidades são os transtornos alimentares e gastrointestinais. Seletividade alimentar, compulsão alimentar e recusa alimentar são observados com frequência e podem ocasionar deficiências nutricionais e comprometimentos metabólicos. Também é comum a presença de constipação crônica e dor abdominal funcional, exigindo avaliação e acompanhamento clínico especializado.

Entre os transtornos psiquiátricos, o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) pode ocorrer em conjunto com o autismo, sendo identificado por comportamentos repetitivos e intrusivos que vão além das estereotipias. No TOC, esses comportamentos têm caráter egodistônico, ou seja, causam incômodo ou sofrimento ao indivíduo, o que pode ser difícil de avaliar em pessoas com limitações comunicativas, mas que deve ser investigado com atenção.

As alterações sensoriais e os transtornos motores também se destacam. A hiper ou hipossensibilidade a estímulos táteis, auditivos ou visuais é marcante em muitas pessoas com TEA e pode estar relacionada tanto ao perfil sensorial próprio do espectro quanto a distúrbios associados, como a disfunção do processamento sensorial. Já dificuldades motoras como apraxia ou atraso no desenvolvimento motor afetam a autonomia e o desempenho em atividades da vida diária, sendo frequentemente subdiagnosticadas.

 

Por fim, algumas síndromes genéticas específicas se sobrepõem ao TEA. Casos como síndrome de Down, X-Frágil, Prader-Willi, Angelman, entre outras, apresentam incidência elevada de sintomas do espectro autista. Nesses contextos, o autismo se apresenta como parte de um todo mais amplo, e o plano terapêutico deve levar em conta as particularidades de cada síndrome e sua relação com o desenvolvimento neurológico global.

Diante desse cenário, é fundamental que o diagnóstico do TEA não se limite apenas à identificação dos critérios comportamentais, mas que também inclua uma investigação detalhada das possíveis comorbidades. Avaliações médicas, neuropsicológicas e funcionais são indispensáveis para traçar um plano terapêutico integrado, que respeite a individualidade do sujeito e atenda às suas múltiplas necessidades.

Conclui-se, portanto, que o TEA é uma condição multifacetada que, frequentemente, não vem sozinha. As comorbidades são a regra, e não a exceção, e seu reconhecimento é essencial para a promoção de um cuidado mais completo, eficaz e humanizado. O olhar clínico atento e a atuação interdisciplinar são pilares fundamentais para oferecer à pessoa com autismo uma melhor qualidade de vida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências:

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Autor do post:
Laryssa Bonifácio – Pedagoga, Psicopedagoga Clínica e Institucional e Coordenadora ABA.

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